sexta-feira, 23 de maio de 2014



PREVARICAÇÃO






À luz dos princípios implícitos e explícitos, que regem a Administração Pública e toda a Constituição Federal, devem ser destacados, para o presente estudo, o princípio da legalidade e da impessoalidade. O princípio da legalidade é um princípio administrativo expresso na Carta Magna, segundo o qual a lei é o elemento que norteia a conduta do agente público e, por via de consequência, do funcionário público. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2014) ensina que, ao contrario do que acontece nas relações particulares, a Administração publica deve, sempre, agir pautada pela lei. É o que se chama de legalidade estrita. Cabe salientar ainda que o agente público possui um poder, devendo ser vislumbrado como um poder-dever, visto que, se em determinado caso a lei o obriga a agir, em regra, o agende deve (obrigatoriamente) fazê-lo. 

Já o princípio da impessoalidade estabelece que não é lícito que se trate de forma privilegiada os administrados, nem tampouco que estes sejam prejudicados por critérios pessoais. Assim, o agente público deve se portar de forma impessoal, não fazendo distinções de qualquer natureza entre os administrados. 

Por fim, deve-se dizer que todo ato administrativo (que será praticado por um agente público), deve conter vários elementos, dentre os quais se destaca a finalidade que deve, invariavelmente, ser pública. Isto é, todo ato administrativo deve ter como objetivo o aspecto social.

O presente trabalho busca elucidar o crime tipificado no art. 319 do Código Penal, a Prevaricação. Por se tratar de crime próprio de funcionários públicos, necessária se fez uma breve análise de alguns princípios administrativos que em muito auxiliarão na presente abordagem.


Prevaricação

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.


Análise Doutrinária


O crime de prevaricação possui no entendimento de Greco (2010) um “traço Marcante” qual seja, o retardamento, a abstenção de pratica de um ato de ofício ou a pratica de um ato contrario à lei, com o fito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Nesse sentido, Fragoso, citado por Greco (2010) faz uma explanação acerca do que é interesse pessoal e sentimento pessoal conforme se vê abaixo:

“o interesse pessoal pode ser de qualquer espécie (patrimonial, material ou moral). O sentimento pessoal diz com a afetividade do agente em relação às pessoas ou fatos a que se refere a ação a ser praticada, e pode ser representado pelo ódio, pela afeição, pela benevolência, etc. A eventual nobreza dos sentimentos e altruísmo dos motivos determinantes são indiferentes para a configuração do crime, embora possam influir na medida da pena”.

Greco (2010) classifica o crime de prevaricação como sendo próprio em relação ao sujeito ativo, visto que somente funcionário público pode praticá-lo e comum quanto ao sujeito passivo, já que podem ser prejudicados a própria Administração Pública bem com algum particular; doloso; comissivo (quando o agente retarda ou pratica o ato em desconformidade com a lei) ou omissivo próprio (quando o agente deixa de praticar o ato de ofício); de forma livre e unissubsistente (ou plurissubsistente).

Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime próprio, visto que a tipicidade do crime está condicionada ao fato de o agente ser funcionário público. No entanto, quanto ao sujeito passivo, além da própria Administração Pública, qualquer pessoa pode ser prejudicada pelo retardamento, pela omissão do agente público ou pela pratica de ato contrario a lei. Greco (2010) ainda salienta que pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime ora em análise.

Ainda segundo o autor supracitado, o objeto material do crime é “o ato de ofício que fora retardado, ou deixado de ser praticado, bem como aquele praticado contra disposição legal”. Quanto ao bem jurídico que o crime em estudo visa proteger, seria a própria Administração Pública.

O momento consumativo, segundo Greco (2010) se dá quando o funcionário público, com a “finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal” pratica um dos núcleos do tipo, ou seja, quando retarda a pratica de um ato de oficio, quando não o pratica ou quando o pratica em desacordo com a lei.

Por fim, é importante salientar que existe no artigo 327 do código penal uma causa especial de aumento de pena. Segundo tal dispositivo, a pena é aumentada de um terço se o crime em análise for praticado por ocupante de cargo em comissão ou de função de confiança ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Exemplo

João, fiscal sanitário da cidade de Coelhos, detecta que o estabelecimento comercial de seu amigo de infância, Roberto, não possui as condições mínimas de higiene, devendo, por conseguinte, ser multado ou até mesmo lacrado. O estabelecimento em questão está situado na área de atuação de João. No entanto, este, para não se indispor com seu amigo, deixa de praticar o ato administrativo a que estava obrigado por dever funcional.

(adaptado do site: http://www.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2294) do Ministério Público do Paraná)

O caso simples acima narrado evidencia um fato típico de prevaricação. João, o fiscal sanitário, deixou de praticar um ato a que estava obrigado, o que caracteriza o crime em questão devido à omissão própria do funcionário público. Tal omissão se deu em caso, para satisfazer interesse pessoal, qual seja o desejo de não se indispor com seu amigo de infância. Nesse caso, a conduta de João se amoldaria de forma perfeita ao que estabelece o art. 319 do Código Penal.

Vale ressaltar ainda que o mesmo crime poderia ter sido praticado em outra hipótese. Suponha-se que o mesmo fiscal, João, tenha um inimigo declarado, Joaquim, que tem um estabelecimento comercial em conformidade com todas as regras exigidas para o funcionamento. No entanto, a despeito da perfeição com o que Joaquim exerce suas atividades, João aplica-lhe uma sanção simplesmente para prejudicar seu desafeto.

Nesse caso, o crime existiria porque o agente teria praticado o ato de forma contraria à lei, vez que somente os estabelecimentos em desacordo com as exigências legais devem sofrer sanção. Ainda se vislumbra a possibilidade de o crime se dar para satisfação de interesse pessoal, visto que o agente poderia ter aplicado a multa no intuito de prejudicar seu inimigo, devendo, se verificar o dolo do agente.






REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial, Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> acesso em 24 mar. 2014 

quarta-feira, 14 de maio de 2014



FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL





A prostituição pode ser entendida como o ato ou prática de relações sexuais em troca de dinheiro ou objetos que suprem necessidades básicas, como a alimentação, vestimentas ou ainda em troca de abrigo.

Com o princípio da intervenção mínima, cabe ao direito penal tutelar apenas as situações em que haja perigo de dano ao bem jurídico.

Se uma pessoa maior e capaz decidir pela prostituição, não será punido aquele que a ajudar ou se deixar sustentar por ela. Desde que não haja violência, fraude, engano, exploração de situação de vulnerabilidade. 

Porém, esta prática será punida quando houver favorecimento a prostituição por um menor, ou por um incapaz.

O crime de favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável está previsto no artigo 218 – B e foi introduzido no Código Penal Brasileiro pela Lei 12015/2009. 

O referido artigo dispõe que:

      Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a      prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
 Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se o crime é praticado com fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.  § 2º - Incorre nas mesmas penas:I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18(dezoito) anos e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo.II – o proprietário, o gerente ou responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.§ 3º - Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

Essa espécie de crime tem por objetivo a moral sexual daquelas pessoas que são consideradas vulneráveis.
A doutrina classifica como vulnerável a pessoa, seja homem ou mulher, que ainda não completou 14 anos de idade, ou com 14 anos ou mais, que não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual, em razão de enfermidade mental ou deficiência mental.

Também são considerados vulneráveis aqueles com 14 anos ou mais de idade, que por qualquer outro motivo não pode oferecer resistência, como portadores de necessidades especiais com problemas físicos graves. 

O sujeito ativo dessa ação pode ser qualquer pessoa, seja homem ou mulher. Já o sujeito passivo só poderá ser uma pessoa menor de dezoito anos, ou aquele que possui alguma enfermidade mental que o faz não possuir total discernimento para prática do ato. E ainda os portadores de necessidades especiais.

Mas, como bem assevera Greco (2011), o agente somente poderá ser responsabilizado pelo ilícito quando conhecer a idade da pessoa que por ele for submetida, induzida ou atraída à prostituição. Caso contrário, erro sobre a idade da vítima irá desclassificar o fato previsto no art. 218-B.

Contudo, embora o tipo penal só mencione o menor de 18 anos, para configuração do crime, salientamos que a idade mínima é 14 anos, pois se ocorrer em menores de 14 anos seria tipificado não como crime de exploração e sim de estupro.

Para Ricardo (2011), a conduta consiste em praticar conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com vitima, em situação de prostituição ou outra forma de exploração sexual, que tenha sido submetida, induzida, atraída ou facilitada à prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou que tenha sido impedida ou dificultada de abandoná-la.

Trata-se de crime doloso que se consuma com a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com vitima em situação de prostituição ou qualquer outra maneira de exploração sexual.

A conduta típica vem expressa nos verbos. Onde o agente poderá submeter ou induzir a vítima à prostituição; atraí-la, facilitar-lhe a prostituição ou impedi-la, ou dificultar que a abandone. 

Na modalidade submeter, quando a vitima é sujeita à prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual, iniciando a entrega sexual;
Na modalidade induzir, quando a vitima é conduzida à prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual, iniciando a entrega sexual;
Na modalidade atrair, que a vítima é conduzida à prostituição qualquer oura forma de exploração sexual, iniciando a entrega sexual;
Na modalidade facilitar, quando o agente pratica qualquer ato tendente a tornar mais fácil a prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual da vítima;
Na modalidade impedir , quando o ante efetivamente obsta o abandono, pela vitima da prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual;
Na modalidade dificulta, quando o agente torna difícil ou complica o abandono da prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual. 
                                                             (Ricardo Andreucci, 2011)
Segundo o entendimento de Fernando Capez este delito consuma-se quando:
“O crime se consuma no momento em que a vítima passa a se dedicar habitualmente à prostituição, após ter sido submetida, induzida, atraída ou ter facilitada tal atuação pelo agente, ou ainda quando já se dedica usualmente a tal prática, tenta dela se retirar, mas se vê impedida pelo autor. Convém ressaltar que não se exige habitualidade das condutas previstas no tipo do art. 218-B, bastando seja praticada uma única ação de induzir, atrair etc. Deve-se consignar, no entanto, que, para a consumação, será necessário que a pessoa induzida passe a se dedicar habitualmente à prática do sexo mediante contraprestação financeira, não bastando que, em razão da indução ou facilitação, venha a manter, eventualmente, relações sexuais negociadas. Assim, o que deve ser habitual não é a realização do núcleo da ação típica, mas o resultado dessa atuação, qual seja, a prostituição da ofendida. Não havendo habitualidade no comportamento da induzida, o crime ficará na esfera da tentativa.” (Fernando Capez, 2010)

Vale ressaltar que esse crime não é considerado delito habitual, de modo que basta que o agente favoreça uma única vez a prostituição para que haja a configuração desse tipo de pena. E a ação será pública e incondicionada.


CASO ESPECÍFICO:

Presos cinco pedófilos que ofereciam teste em escolinhas de futebol para adolescentes

 Eles traziam meninos do interior para BH com a promessa de teste em escolas de futebol de clubes famosos de Minas, mas os meninos ficavam em um sítio sendo abusados.

A Polícia Civil prendeu nesta quinta-feira cinco envolvidos em uma rede de exploração sexual de adolescentes em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, e Belo Horizonte. A senha para o crime de pedofilia, segundo a Polícia Civil, eram testes em escolas de futebol de clubes famosos de Minas. Os meninos eram ludibriados com a oferta de serem submetidos às provas, mas acabam aliciados e abusados sexualmente.

Trata-se de uma apuração há cerca de cinco meses, quando um adolescente denunciou à polícia que foi procurado para um programa sexual. De acordo com o delegado, os envolvidos levaram adolescentes com idades entre 14 e 17 anos, do interior para a capital, com a permissão das famílias, sob a alegação de que eles seriam testados em times grandes.

Os meninos eram trazidos para um sítio na cidade de Esmeraldas, na Grande BH, onde ficam alojados sofrendo abusos sexuais constantes.

Além dos mandados de prisão, também foram cumpridos ordens para apreensão de materiais na casa dos envolvidos. A polícia recolheu computadores, celulares, além de fotos e vídeos com adolescentes nus.

Além da promessa de teste nos clubes, os adolescentes eram aliciados com dinheiro e ingressos para shows. Todos os presos vão responder por favorecimento a prostituição e exploração sexual de vulnerável.

Conforme reportagem acima, temos o induzimento a varias pessoas ao mesmo tempo, o que diz respeito ao emprego de promessas, súplicas, ou seja, um ato que inspira alguém a fazer alguma coisa, fazendo-a crer que a sua submissão à lascívia do terceiro lhe iria proporcionar riqueza ou uma vida melhor. E a prática de ato libidinoso de qualquer espécie com vulneráveis maior de 14 e menor de 18 anos submetidos, induzidos, atraídos, ou que tiveram facilitada a prostituição, dificultado ou impedido o seu abandono por outra pessoa. Podemos destacar que é a conduta do ato se se destina a vitima determinada.

Como mencionado ao caput do artigo 218-B do CP, verifica-se que as condutas do sujeito ativo são de submeter, induzir, atrair, dificultar, facilitar ou impedir que alguém abandone a prostituição. Nas quais denominamos de condutas habituais.

A forma de indução, por exemplo, somente pode ser relevante se a vítima efetivamente passar a se prostituir com habitualidade ou for explorada sexualmente.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/12/05/interna_gerais,476463/presos-cinco-pedofilos-que-ofereciam-teste-em-escolinhas-de-futebol-para-adolescentes.shtml








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito Penal. 7 ed. Ed saraiva. 2011. São Paulo. Paginas 371 a 373

CASTRO, Leonardo. Crimes Contra a Dignidade Sexual – Artigo por Artigo – Art.218. Disponível em: http://www.forumcriminal.com.br/discussion/415/crimes-contra-a-dignidade-sexual-artigo-por-artigo-art-218-b.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>

http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2853&idAreaSel=4&seeArt=yes.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 8ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010.




quarta-feira, 16 de abril de 2014


DO ESTELIONATO


    
     Pode-se definir estelionato como uma malícia humana, que não encontra freios que a impeçam de levar ao engano. O estelionato, que é de origem do latim stellionatu,e significa prática criminosa, na qual um sujeito obtém vantagens em proveito próprio mediante fraude.

     Este crime está previsto no art. 171 do Código Penal, no capítulo onde objetiva a proteção ao direito de propriedade. E dispõe:

               “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo    
                alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, 
                ou qualquer outro meio fraudulento:
                Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.”


                “Existe o crime quando o agente emprega qualquer meio fraudulento, 
                 induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo,
                 assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, como lesão
                 patrimonial alheia.”
                                                                                                                         (Mirabete)



     Mirabete (2006) ainda aduz que, somente há que se falar em estelionato, se houver uma fraude que provoque ou mantenha a vítima em erro, trazendo lesões patrimoniais a esta.

     Para Ricardo A. Andreucci (2010), o estelionato é a obtenção, para si ou para outrem, de vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. 

     Neste tipo de crime existem dois sujeitos que podem ser o ativo, que é aquele que emprega a fraude, induzindo a vítima ao erro ou o que recebe a vantagem ilícita, mediante artifício, ou qualquer outro meio fraudulento. E o passivo, podendo ser tanto quem sofre o prejuízo, quanto quem é ludibriado pela fraude e terá dano patrimonial. Na maioria das vezes é a mesma pessoa. 

     Quando o objeto é recebido por terceiro que, por sua vez, desaparece ficando com o mesmo, poderá ocorrer uma das seguintes situações: se o destinatário tiver estimulado o crime, será partícipe do estelionato; se não houver estimulado, mas, posteriormente, ao receber o objeto das mãos do estelionatário, estiver ciente da sua origem, responderá por receptação; se não tiver ciência da origem, não responderá por qualquer infração penal.

      O objeto material será sempre a vantagem ilícita que será obtida em desfavor a outrem e atingindo seu patrimônio.


Existem quatro entendimentos desta modalidade de crime, são eles:

a) Estelionato e falsificação de documentos;

b) Forma Autônoma, mas em concurso formal;

c) Falsificação de documento público absorve estelionato;

d) Falsificação absorvida pelo estelionato

     O estelionato é crime doloso que admite a tentativa. E pode ocorrer quando agente que emprega fraude idônea e não consegue enganar a vítima, ou quando o agente emprega a fraude, enganando a vitima, mas não consegue o resultado desejado.

   O estelionato tem duplo resultado: obtenção da vantagem ilícita de um lado e efetiva ocorrência de prejuízo para a vítima. Consuma-se quando o agente efetivamente consegue obter a vantagem ilícita pretendida.


MODALIDADES ESPECIAIS – SUBTIPOS DE ESTELIONATO – Art. 171, § 2o

São hipóteses que têm todos os caracteres do caput, mais determinados elementos especializantes:

I - Disposição de coisa alheia como própria (móvel ou imóvel).


II - Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria (inalienável).


III - Defraudação de penhor. Normalmente, o penhor implica a tradição efetiva do bem móvel.


IV - Fraude na entrega da coisa. Defraudação de substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve (tem obrigação) entregar a alguém.


V - Fraude para o recebimento de indenização ou valor de seguro. Trata-se de crime próprio, responderá também por outros crimes, como lesões corporais e condutas.


VI - Fraude no pagamento por meio de cheque. É a mais relevante das hipóteses em questão.
Cheque é uma ordem de pagamento à vista.



Disposição de coisa alheia como própria
Art. 171, § 2º,I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

O agente passa por dono de um bem móvel ou imóvel e o negocia com terceiro de boa fé, sem possuir autorização para tanto, causando assim, prejuízo para essa pessoa.

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

Art. 171, § 2º, II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Admite-se a tentativa. Na hipótese do depositário que aliena coisa própria penhorada: a) não há crime, só sanção civil; b) há crime de fraude à execução - art. 179; c) há crime deste inciso.

Defraudação de penhor
Art. 171, § 2º, III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
O objeto empenhado deve estar na posse do devedor. A conduta incriminada é defraudar mediante venda, troca, doação, etc ou por outro modo (desvio, consumo, destruição, abandono, inutilização, deterioração etc.). Parcial ou total, sem o consentimento do credor.

Consuma-se com o recebimento da contraprestação ou vantagem.
Ação penal: pública incondicionada. O exame pericial é prescindível. 

Fraude na entrega da coisa
Art. 171, § 2º, IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
A infração penal presume a existência de um negócio jurídico envolvendo duas pessoas e que a responsável pela entrega do objeto, de alguma forma, modifique-o fraudulentamente e o entregue à vítima.
Não há crime se a entrega é gratuita. Sem forma culposa.

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro. 
Art. 171, § 2º, V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

A autolesão só passa a ser punida em razão do objetivo fraudulento. Sujeitos: ativo: segurado; passivo: seguradora. O pressuposto é a existência de contrato de seguro. O beneficiário do seguro pode ser o próprio agente ou pessoa diversa.
Conduta típica: destruir, ocultar, autolesionar etc.
“Quando a conduta é de ocultar o bem objeto de contrato, o momento consumativo coincide com a própria conduta física de ocultar”.

Fraude no pagamento por meio de cheque.
Art. 171, § 2º, VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

Condutas típicas: 

a) emissão do cheque sem fundos: o agente preenche e põe o cheque em circulação, sem possuir a quantia correspondente na sua conta bancária;

b) frustração do pagamento do cheque: o agente possui a quantia no banco, por ocasião da emissão, mas, antes de o beneficiário recebê-la, aquele saca o valor ou susta o cheque.

- Para que exista o crime é necessário que o sujeito tenha agido de má-fé quando da emissão do cheque.

- O cheque tem natureza jurídica de ordem de pagamento à vista e, assim, qualquer atitude que lhe retire esta característica afasta a incidência do crime.




DIFERENÇAS E SIMILITUDES DO ESTELIONATO COM OUTROS TIPOS PENAIS


     A partir dos ensinamentos de Greco (2011), existem dois crimes que, em diversos aspectos se assemelham com o crime de estelionato, quais sejam, o furto de energia elétrica e o curandeirismo. Abaixo, analisar-se-á as diferenças entre o tipo ora em análise e os crimes que a ele se assemelham.

O furto de energia elétrica, que está tipificado no art. 155, parágrafo 3º, assim preceitua:


                    Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
                    Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
                    Parágrafo 3º: equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer 
                    outra que tenha valor econômico. 

      Logo, no entendimento de Greco (2011), praticará furto aquele que subtrair a energia (que é coisa móvel para fins penais), diretamente do poste, isto é, a coisa ainda não adentrou na residência do agente.

       No entanto, como se amoldaria a situação daquele que tem contrato com a concessionária de energia elétrica, mas adultera o medidor a fim de que este faça leitura menor do que foi realmente gasto? No entendimento do autor supracitado, nesse caso, falar-se-ia em estelionato, visto que a conduta do agente se amolda ao que prescreve o caput do art. 171 do diploma repressivo.

     Outra diferenciação que se faz salutar é aquela que existente entre o crime de curandeirismo e o estelionato. 

        O curandeirismo está tipificado no art. 284 do Código Penal com a seguinte redação:

                  Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
                  I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
                  II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
                  III - fazendo diagnósticos:
                 Pena - detenção, de seis meses a dois anos.



      Assim, a diferença entre o curandeirismo e o estelionato, no entendimento de Greco (2011) é que, naquele o agente acredita que sua conduta será eficaz, enquanto que neste o agente pratica ações que sabe ineficaz, fazendo-as simplesmente para aferir vantagem econômica. O agente que praticar as ações descritas nos incisos do art. 284 pode se enquadrar em qualquer dos dois crimes. Somente poder-se-á saber em qual crime incorreu o agente quando se verificar qual foi o animus do agente.







REFERÊNCIAS:

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 7ed, Saraiva. 
2010. São Paulo.

Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal / Julio Fabbrini Mirabete.24. Ed. – São Paulo: Atlas,2006

GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial, Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011 




quarta-feira, 26 de março de 2014


 CONSTRANGIMENTO ILEGAL








INTRODUÇÃO


A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, que é garantida aos brasileiros e aos estrangeiros que se encontram no território nacional a inviolabilidade, entre outros, do direito à liberdade.  Em vários incisos deste mesmo artigo, bem como em diversos outros títulos da Lex Major, existem preceitos que demonstram a importância da liberdade em nosso ordenamento jurídico. Como exemplo, pode-se citar a liberdade de consciência, de crença religiosa, de convicção política, liberdade de pensamento, dentre outros.
Entretanto, cabe dizer que, mesmo se tratando de um direito fundamental, a liberdade não é um direito absoluto, visto que, em determinados casos, há a possibilidade de relativização dos direitos, como, por exemplo, quando se vislumbra conflitos entre eles. Assim, Alexandre de Morais (2009) ressalta que os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, e as limitações de tais direitos se encontram em outros princípios também consagrados na Constituição. Assim, a liberdade é requisito para que se busque, sempre, a efetivação do princípio-sol da Constituição Federal, qual seja o da dignidade da pessoa humana. Por outro lado, deve ser vislumbrado sob um viés relativo, devendo em determinadas situações, ser conjugado com outros direitos e princípios.
Ainda no sentido de proteção à liberdade, o inciso II do art. 5º da constituição ainda assevera que, ao cidadão, não há obrigatoriedade de comportamento senão quando a lei assim determina. Aqui vê-se o Law empire, a supremacia da lei, ideia através qual se entende que a lei deve ser o parâmetro que norteia a conduta individual, sendo, também, um dos elementos norteadores de um Estado Democrático de Direito. Esse inciso demonstra a importância da liberdade na Constituição Federal vigente, devendo sua proteção ser irradiada para as normas infra-constitucionais. Assim, somente com o exercício da liberdade pessoal, pode-se falar em dignidade da pessoa humana, o que é, conforme entendimento cediço entre os constitucionalistas, o princípio sol da Constituição Federal, daí porque a liberdade merece status de direito fundamental.
Nesse sentido, devido à importância que é dada à liberdade na Lei Maior, existem tipos penais que visam à proteção desse bem jurídico. No presente trabalho, analisar-se-á a figura típica do Constrangimento Ilegal, tem como bem juridicamente protegido à liberdade individual.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Art. 146 do Código Penal - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.


      O crime de constrangimento ilegal visa proteger a autodeterminação dos indivíduos, imputando pena para os que, de alguma forma, tolhem a autonomia de outrem. Para Greco (2011), o crime em análise é “composto pelo núcleo constranger, que tem o sentido de impedir, limitar ou mesmo dificultar a liberdade de alguém”. Nucci (2008), ainda define constranger como sendo a ação de “forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer”

     Assim, vê-se que, no crime em análise há, de uma forma ou de outra, redução ou supressão da autonomia do agente passivo. Para que se reduza ou suprima a liberdade da vítima, o agente pode utilizar, conforme texto legal, de três possibilidades, cumulada ou isoladamente:

a) Violência (vis corporalis): é a violência física, corporal;

b) Grave ameaça (vis compulsiva): é a violência psíquica, exercendo influência, nos dizeres de Greco (2011), “precipuamente sobre o espírito da vítima, impedindo-a de atuar segundo a sua vontade”;

c) Quando o agente reduz, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência da vítima: Greco (2011) chama tal possibilidade de “violência imprópria”. Assim, existirá violência imprópria, para o referido autor, quando houver redução da capacidade de resistência do sujeito passivo, que não se dê através violência ou grave ameaça. Aníbal Bruno, citado por Greco (2011), estabelece como exemplos de violência imprópria as substâncias “inebriantes ou entorpecentes, ou a sugestão hipnótica, ou o emprego das chamadas drogas da verdade ou da confissão...”.


CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA, CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

       Nucci (2008) classifica o constrangimento ilegal como sendo um crime comum, visto que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e passivo, sendo necessário que o sujeito passivo seja capaz de discernir; doloso; material, uma vez que exige resultado para que se consume; de forma livre, já que o agente pode praticá-lo de qualquer forma sem a necessidade de um modus operandi específico; comissivo, como regra; de dano, unissubjetivo e plurissubsistente. 

     Vale dizer que constrangimento ilegal pode ser cometido de forma omissiva, sendo necessário, neste caso, que o agente goze da posição de garante. Grecco (2011) ainda complementa a classificação demonstrando, como se verá mais adiante, o caráter subsidiário do Constrangimento ilegal.


       Sendo o crime tipificado no art. 146 do Código Penal, um tipo plurissubsistente, aduz-se que ele permite o iter criminis, razão pela qual a tentativa é admissível. Assim, se o agente constrange alguém para não fazer o que a lei permite ou para fazer o que a lei não manda e, ainda assim o sujeito passivo não o faz por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo, caberá tentativa.

        No que se refere ao momento consumativo, em virtude de se tratar de crime material, ou seja, crime que exige um resultado, este só será consumado quando aquele que foi constrangido não fizer o que a lei permite ou fizer o que a lei não manda, após ter sofrido violência ou grave ameaça, ou após ter reduzida, por qualquer outro meio, sua capacidade de resistência. 

       Ainda nesse sentido, segundo Capez (2009), não pode ser considerado com crime de mera atividade, pois não basta o simples fato de constranger alguém mediante violência ou grave ameaça. O tipo penal sempre irá exigir a ação ou omissão desejada pelo autor seja realizada pela vítima.

      Assim, diante do exposto, o elemento subjetivo do crime de constrangimento só pode ser o dolo que, para Greco (2011), pode ser direto ou eventual. Para o autor, “a conduta do agente deve ser dirigida com finalidade de constranger a vítima a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda, identificando aí, segundo a doutrina dominante, aquilo que chamamos de especial fim de agir”.


CAUSA DE AUMENTO E CONCURSO DE CRIMES

     Conforme dicção do parágrafo 1º do art. 146, as penas do constrangimento ilegal serão aplicadas de forma cumulada, ou seja, aplicadas concomitantemente a pena de detenção e de multa; ainda é preconizado que será aplicada em dobro as penas nas hipóteses de se reunirem mais de três pessoas ou quando há emprego de armas.


     Assim, nos dizeres de Greco (2011), as penas que inicialmente eram alternativas (privativa de liberdade ou multa) se tornam cumuladas (privativa de liberdade mais multa). Além disso, continua o referido autor, “as penas respectivas serão dobradas, aplicando-se essa causa especial de aumento somente no terceiro momento do critério trifásico”.

     Já no caso do que se preconiza no parágrafo 2º do art. 146, tem-se que devem ser aplicadas as penas correspondentes à violência, além das penas cominadas ao crime de constrangimento ilegal. Nesse sentido, há divergências doutrinárias, visto que uma parte da doutrina entende que há concurso material de crimes. Greco (2011) discorda da existência de concurso material, dizendo que “embora a regra a ser aplicada, conforme determinação legal, seja a do cúmulo material, tecnicamente, estaremos diante do chamado concurso formal impróprio ou imperfeito, previsto na segunda parte do art. 70 do Código Penal. 

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.

     Nucci (2008), ainda ressalta a particularidade do crime em comento, asseverando que este tem caráter subsidiário. Isto é, “se há possibilidade de enquadrar o fato em outro, mais grave, deve-se fazê-lo”. Por outro lado, continua o autor supracitado, “por ser um tipo secundário, havendo violência que implique lesão, o agente deve responder também pelo que causar”. 



EXCLUDENTE DE TIPICIDADE

     O fato que, inicialmente seria típico, torna-se atípico em duas hipóteses, conforme a literalidade do parágrafo 3º do art. 146:

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II - a coação exercida para impedir suicídio.

     Assim, nesses casos expressos, ainda que alguém pratique o fato contido no caput do art. 146 por motivo de intervenção cirúrgica para salvar uma vida ou para se evitar um suicídio, há terá cometido crime, visto que assim estabelece de forma expressa o parágrafo terceiro do art. em comento. 

     Vale ressaltar, como se disse Alhures, que a liberdade é um direito pessoal do indivíduo, mas os direitos fundamentais não são absolutos. Nessas hipóteses de exclusão de tipicidade, vê-se, claramente, a necessidade de pensamento entre dois direitos: à vida e à liberdade. Assim, torna-se óbvio a maior relevância do direito à vida em relação à liberdade, razão pela qual se justifica a atipicidade da conduta quando tal conduta visa à manutenção de uma vida.

     Nucci (2008), ainda ressalta que, se não viesse de forma expressa a ausência de tipicidade das condutas descritas no parágrafo 3º do art. 146, as condutas ali descritas (intervenção médico-cirúrgico e coação para impedir suicídio)estariam, respectivamente pelos institutos do estado de necessidade e pela legítima defesa de outrem.



ESTUDO DE CASO


Policial afirma ter sido vítima de preconceito e constrangimento em Vitória



Um policial afirma ter sido vítima de constrangimento e preconceito na noite desta terça-feira (19) em Vitória. O fato teria acontecido em um hipermercado localizado na Avenida Reta da Penha.

Após comprar dois vinhos, Edson Rosa, de 45 anos, que também é estudante de direito, teria sido abordado por seguranças do estabelecimento no momento em que ia ao banheiro. Segundo Edson, apesar de ter mostrado a nota fiscal atestando o pagamento, ele foi obrigado a se despir.

“Achei aquilo ali um constrangimento, o meu dia acabou”, conta Edson, que acionou a polícia em seguida para fazer uma ocorrência. 

Entretanto, mesmo com a chegada dos policiais, o constrangimento não teria parado.

“O chefe da segurança foi ríspido com o pessoal que foi atender a ocorrência. Inclusive quando eu estava saindo lá, o segurança me escoltou”, completou.

Record News Espírito Santo/Rede Sim Sat/Sim Notícias



     A reportagem publicada pela Agência Sim, que teve repercussão nacional, foi noticiada como caso de constrangimento ilegal e preconceito, tendo esta última infração tido maior relevância na mídia nacional, dado seu maior apelo social.

    Entretanto, no presente estudo, far-se-á uma análise a fim de se observar a tipicidade da conduta do supermercado (através da equipe de segurança) no que tange, tão somente, ao crime de constrangimento ilegal. 

   Analisando-se o fato, observa-se que houve, por parte dos seguranças, um constrangimento, que objetivou forçar o cliente a se despir. Assim, conforme se viu, não basta o agente constranger alguém para que se configure o tipo penal em análise. É necessário que esse constrangimento seja ilegal. Assim, no fato em análise, vislumbra-se a ilegalidade na medida em que o constrangimento se deu para que a vítima a fizesse o que a lei não manda, ou seja, se despisse a fim de comprovar que nada furtou, mesmo após apresentar nota fiscal de sua compra. Nesse caso, observa-se que houve um cerceamento da liberdade pessoal do cliente, de forma que a conduta da equipe de segurança, se amolda, perfeitamente, ao tipo penal do art. 146 caput do Código Penal.

     No entanto, ainda cabe um estudo referente à vítima, para que seja possível observar se no fato houve crime consumado ou crime tentado. Como visto, o crime em análise é de resultado, e o momento consumativo é aquele em que a vítima, tendo sua autodeterminação reduzida ou suprimida, não age de acordo com sua vontade, devido ao constrangimento efetuado pelo sujeito ativo. Assim, no fato em comento, houve consumação no momento em que o cliente, após o constrangimento, que, como se viu, foi ilegal, despiu-se para demonstrar que nada havia subtraído ilegalmente do estabelecimento.

    Uma última análise ainda é necessária, visto que, ainda que a reportagem seja lacônica no que diz respeito à quantidade de seguranças que abordaram a vítima, cabe dizer que, se o número de agentes foi maior que três, ou seja, no mínimo quatro, incidirá, no terceiro momento da fixação de pena, uma causa especial de aumento de pena, conforme dicção do parágrafo 1º do art. 146 do Código Penal. Assim, numa futura sentença, as penas, em vez de alternativas (detenção ou multa) deverão ser somadas (detenção e multa), devendo também ser aplicadas em dobro. Não há, aqui, que se falar em crime de quadrilha, dada a eventualidade do delito, isto é, os seguranças do supermercado não se reúnem habitualmente com o fim de praticar o crime de constrangimento ilegal.

     Assim, conclui-se que o fato noticiado subsume-se à norma abstrata do art. 146 do Código Penal. Isto é, todos os requisitos necessários para a configuração do crime de constrangimento ilegal estão presentes, havendo ainda, caso tenham concorrido como sujeitos ativos mais de três seguranças, uma causa especial de aumento de pena, que deverá, caso o processo siga seu rito normal, ser considerada no terceiro momento do critério trifásico.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: 4 ed.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial, Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> acesso em 24 mar. 2014




terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

INFANTICÍDIO




        O infanticídio foi praticado por diversos povos, sendo, atualmente, prática cultural restrita a alguns grupos mais primitivos. Entretanto, cabe evidenciar que, mesmo nas sociedades avançadas, o infanticídio continua a acontecer, razão pela qual é tipificado no ordenamento jurídico hodierno. Nesse aspecto, faz-se necessária a distinção do significado da palavra infanticídio para o senso comum (definição lato sensu) e para o Direito, em especial o Direito Penal (definição strictu sensu).

           O dicionário da Academia Brasileira de Letras (2008) define infanticídio como “assassínio de criança, especialmente de recém-nascidos”. Essa é uma definição lato sensu, que não contempla o significado do infanticídio tipificado no Código Penal Brasileiro. No referido diploma legal, para que se trate de infanticídio, a agente deve matar seu filho, sob a influência do estado puerperal. Além disso, tal ação, ou omissão (nesse caso omissão imprópria, visto que a genitora possui status de garante), deve se dar durante ou logo após o parto, como se vê na literalidade do texto legal:
Art. 123 CP: Matar, sob a influência do estado 
puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto.


        Ante o exposto, no que tange a especificidade do crime ora em análise, pode-se concluir que a definição de infanticídio como sendo “assassínio de crianças, especialmente recém-nascidos” é válido para o senso comum, mas carece de elementos para o Direito Penal. Assim, uma boa, talvez a melhor, definição de infanticídio seria o próprio texto legal, ainda que a lei deixe vagos alguns termos como, por exemplo, o limite temporal (logo após o parto) que separa o crime de infanticídio e o de homicídio. Assim, para que se fale em infanticídio em Direito Penal, há que se visualizar, de forma concorrente, três elementos: a) matar o próprio filho; b) durante ou logo após o parto; c) estar, a agente, sob influência do estado puerperal.


BREVE HISTÓRICO 


          Nota-se, na legislação penal brasileira, relevante diferença na tipificação do crime de infanticídio. No Código Penal de 1890, seria considerado infanticídio: 

“Matar recém- nascido, Isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos quer recusando à vitima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir a sua morte”.

Haveria ainda abrandamento da pena caso o crime fosse para encobrir sua desonra. Já o Código Penal de 1940, que é nossa legislação penal vigente, adotou critério diverso. No diploma atual a atenuante no crime de infanticídio é o conceito biopsíquico do “estado puerperal”, como configurado na exposição de motivos do Código Penal, que justifica o infanticídio como delictum exceptum, praticado pela parturiente sob influência daquele tal estado puerperal.

        Percebe-se, portanto, que houve alteração significativa do conceito do crime, já que, a lei anterior adotava o aspecto psicológico como maneira de proteção da honra, optou o legislador pelo sistema biopsíquico ou fisiopsicológico, apoiado no estado puerperal. Esta orientação tem merecido criticas e é motivo de controvérsia, muito por se entender não comprovada a suposta influência do estado puerperal no psiquismo da parturiente.


CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DO INFANTICÍDIO


          Rogério Greco (2011) classifica, doutrinariamente, o infanticídio como um crime próprio, visto que somente a genitora pode praticá-lo e, ainda assim, sob influência do estado puerperal; simples, porque visa à proteção de somente um bem jurídico, qual seja, a vida; de forma livre, pois não exige um modus operandi específico; doloso, comissivo e omissivo impróprio, já que a agente deve agir com dolo e tem o status de garante.

           Vale ressaltar que o infanticídio admite tentativa, uma vez que o resultado almejado pela agente pode não ocorrer por circunstâncias alheias à sua vontade, mesmo após ter conduta dirigida para retirar a vida do neonato.

INFANTICÍDIO INDÍGENA






          O infanticídio entre indígenas é um tema que gera documentários, projetos de leis e muita polêmica em torno da saúde pública, cultura, religião e legislação. Essa prática tribal leva à morte não apenas de gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças, com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo. A quantidade de índios mortos por infanticídio no país é muito grande, esse número aparece somado a óbitos causados por lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas.

           O projeto de lei 1057/2007, apelidado de lei Muwaji, em homenagem à índia que enfrentou a tribo para salvar sua filha com paralisia cerebral, estabelece que “qualquer pessoa” que saiba de casos de crianças em situação de risco e não informe às autoridades responderá por crime de omissão de socorro. Se a lei for aprovada , a pena será de um a seis meses de detenção ou multa.

            A revista Isto É, publicou em 2008 uma reportagem emblemática referente ao infanticídio praticado por algumas etnias indígenas. A reportagem relata, entre outras coisas, a história de uma criança indígena, Amalé, que foi enterrada viva, mas foi resgatada antes que morresse. No mesmo local ainda havia mais duas crianças enterradas, mas estas não puderam ser salvas.


            De acordo com a reportagem, o infanticídio seria prática corriqueira, no Brasil, em pelo menos treze etnias, sendo as razões mais comuns de tais práticas o caso de mães solteiras, crianças deficientes e crenças religiosas. A conduta aconteceria ainda de forma variada, podendo ser praticada pela própria parturiente, com ou sem ajuda de terceiros, ou até por terceiros apenas. Vale ainda ressaltar que, nem sempre a morte da criança se dá no momento do parto, sendo comum casos em que crianças já com certo tamanho seriam enterradas vivas.



          Nesse sentido, a pergunta que se faz é: O infanticídio indígena se amolda à tipificação do Código Penal pátrio ou se amolda tão somente ao conceito lato sensu de infanticídio? 

            A resposta não pode ser definitiva, prevalecendo o que se diz com frequência nos cursos de Direito: depende do caso concreto.

           O infanticídio indígena relatado em reportagens não se amolda sempre ao crime tipificado no art. 123 do Código Penal, visto que se trata do ato de tirar a vida de crianças, de modo geral. Isto é, quando se fala em infanticídio, se fala da morte de crianças por adultos, sem qualquer referência a quem mata ou quando mata, informações estas essenciais para que se configure o infanticídio tipificado. Ainda é necessário observar que a conduta dos índios possui características culturais, que acabam por exercer uma coerção psicológica ou até mesmo física, para que se matem crianças que, por algum motivo, não devem viver naquela dada sociedade.

         Assim, pode-se dizer que, devido ao fato de não ser o estado puerperal o motivo principal para a prática do crime, a conduta dos indígenas não se amolda no crime de infanticídio strictu sensu tipificado no Código Penal. Contudo, em que pese a falta de elementares do tipo na maioria dos “infanticídios" praticados pelos índios, nada obsta que ocorram casos em que as parturientes indígenas, influenciadas pelo estado puerperal, matem seus filhos durante ou logo após o parto, sendo necessária a análise, como já se disse alhures, do caso concreto.

       Cabe, por derradeiro, evidenciar que existem casos em que terceiros praticam o assassinato das crianças, sendo tais condutas denominadas como infanticídio. Contudo, tal prática de forma alguma poderia ser tratada como tal dentro da técnica jurídica, uma vez que o crime em análise é próprio, isto é, somente a mãe pode cometê-lo.

CONCLUSÃO

         Pode-se concluir que o infanticídio é como assevera Greco (2011) não é mais que uma “modalidade especial de homicídio”. Nesse sentido, tal tipo penal possui alguns requisitos, sem os quais não se pode falar em infanticídio, quais sejam: matar o filho, sob influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto.

      Assim, o “infanticídio” que ocorre em algumas etnias indígenas, só pode ser assim chamado se considerarmos o infanticídio dentro da definição lato sensu, visto que, dentro da técnica jurídica, para que se configure o crime ora analisado, existem elementos que nem sempre se observa nos rituais indígenas.




REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial, Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011 
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, Dicionário Escolar da língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.
 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> acesso em 24 fev. 2014
http://veja.abril.com.br/150807/p_104.shtml>acesso em 22 fev. 2014> acesso em 24 fev. 2014